A morte celular, definida como perda irreversível da estrutura e funções vitais da célula, ocorre por dois processos morfologicamente distintos: necrose e apoptose. Sabe-se atualmente que os dois fenômenos contribuem para a morte celular nas doenças hepatobiliares e que a opção da célula por uma dessas formas de morte é influenciada pelo seu estado energético (reserva de ATP). Como processo ativo, a apoptose requer reservas de ATP (pelo menos nas fases iniciais), ao passo que a necrose se instala quando há depleção total do ATP.
A necrose se caracteriza pela perda da integridade da membrana plasmática quanto a sua permeabilidade. Diferentes insultos patológicos como isquemia, hipoxia, hipertermia, irradiação e metabólitos tóxicos podem levar à perda abrupta da integridade da membrana plasmática (citólise) e à alteração de seus gradientes eletroquímicos. Ademais, a liberação dos constituintes intracelulares para o meio extracelular estimulam a resposta inflamatória e ampliam a lesão tecidual. O fenômeno de morte celular por necrose é facilmentem reconhecido nos espécimes de biopsia hepática porque os restos celulares permanecem por longo período antes de serem removidos pelas células inflamatórias. A apoptose é processo ativo cuja marca registrada é a autodigestão controlada dos constituintes celulares, devida à ativação de proteases endógenas e pode ser comparada metaforicamente a um "suicídio celular". A ativação dessas proteases compromete a integridade do citoesqueleto, provocando verdadeiro colapso da estrutura celular. Em resposta à contração do volume citoplasmático, a membrana celular forma bolhas e se altera o posicionamento de seus lipídios constituintes.
Em células indenes a distribuição de fosfatidilserina se faz primariamente no folheto interno da membrana plasmática. Durante o processo de apoptose esse lipídio se expõe no folheto externo da membrana. O novo posicionamento da fosfatidilserina serve como sinalizador para que células fagocíticas das proximidades englobem os fragmentos celulares e completem o processo de degradação. Durante a apoptose ocorrem alterações características no núcleo celular graças à ativação de endonucleases que degradam o DNA. Como resultado, o núcleo torna-se picnótico e a cromatina se condensa nas porções adjacentes à membrana nuclear. Finalmente, o núcleo entra em colapso e se fragmenta.
Simultaneamente, as bolhas que se formam no citoplasma separam a célula em fragmentos circundados por membrana, contendo partes do núcleo e organelas intactas (corpos apoptóticos). Os restos celulares são fagocitados pelos macrófagos teciduais ou células adjacentes. Um dos aspectos que distingue a apoptose da necrose é, nesta, a preservação da integridade da membrana plasmática que evita a liberação dos constituintes celulares para o meio extracelular e, conseqüentemente, a quimiotaxia e a ativação de células fagocíticas. O fenômeno da apoptose é mais difícil de ser detectado nos espécimes de biopsia hepática, pois suas alterações morfológicas se processam rapidamente, entre 2 a 4 horas e os corpos apoptóticos são rapidamente removidos pelos macrófagos teciduais.
Essas peculiaridades justificam a ausência característica de resposta inflamatória no tecido adjacente com preservação do microambiente celular. Em condições patológicas, o grande número de células que sofre apoptose pode suplantar a capacidade fagocitária do fígado. Nessas circunstâncias, os corpos apoptóticos não-fagocitados sofrem processo secundário de necrose, com resposta inflamatória. Portanto, nessas circunstâncias, a elevação dos níveis séricos de aminotransferases pode ser observada, refletindo tanto aumento da apoptose, como necrose hepatocelular.
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